O desenvolvimento do Euromercado de dólares e sua relação com o fim dos anos dourados
O desenvolvimento do Euromercado de
dólares e sua relação com o fim dos anos dourados.
Após
a segunda guerra mundial, a formação do tratado de Bretton Woods, a criação de
organismos como o FMI e o Banco Mundial, desenvolvimento do plano Marshall e a criação
da paridade dólar-ouro para a realização de transações internacionais, os EUA
se consolidou como uma nova potência mundial que nas primeiras décadas após a
segunda guerra colaborou com a reconstrução do oeste europeu e conseguiu frear
o avanço do comunismo.
Para
se ter uma ideia, segundo Michael Moffit, durante a curta existência do plano
Marshall os EUA enviaram mais recursos ao exterior do que o Banco Mundial e o
FMI juntos em seus projetos de financiamento que ocorreram no mesmo período. Neste
contexto de reconstrução pós-guerra houve uma transnacionalização produtiva e
financeira, várias empresas e bancos passaram a transcender fronteiras
internacionais possibilitando o seu crescimento.
Os
Estados-Unidos após a segunda guerra mundial passou a realizar investimentos no
exterior. Isso fazia com que a conta de capital dos EUA se mantivesse deficitária
e fosse balanceada nos primeiros anos pelas exportações, mas com o passar dos
anos essa situação foi alterada e os EUA passou a apresentar déficits tanto na
sua conta financeira, como na sua conta comercial o que passou a gerar
discussões sobre a validade da manutenção do dólar como moeda de transação
internacional principalmente no final dos anos 1960 e ao longo da década de
1970.
Infelizmente,
nestas condições, o cenário de estabilidade e funcionamento econômico do
sistema de Bretton Woods não se manteve em perfeito estado, tanto é que o
governo Norte Americano ao observar que sua posição como potência estava em
grande perigo deu fim ao padrão monetário até então existente e responsável
pela reconstrução da Europa na década de 1970.
O fim do Sistema de Bretton Woods,
os anos milagrosos keynesianos não ocorreu por simples incompetência dos EUA na
administração econômica, isto de seve também ao desenvolvimento de mercados de
dólares de forma paralela ao controle de mercado dos EUA. Este mercado paralelo
de dólares surgiu na Europa a partir dos depósitos em dólares, marcos e moedas
fortes e conversíveis, realizados fora do país de origem.
Este mercado paralelo de dólares que
se desenvolveu principalmente na Europa, no entanto, não gerou um mercado de
capitais paralelo que apenas países do grupo dos alinhados dos EUA faziam
utilização. Países do bloco socialista (contendo a União Soviética e a China),
devido a necessidade de manter reservas para se comprometerem com seus
compromissos externos, depositaram em bancos Europeus (principalmente.
Britânicos) suas receitas de exportação em dólares, iniciando um ciclo de
expansionismo deste mercado. Outro fator que fomentou este mercado de bancos
paralelo de Dólares era o medo de países socialistas de realizarem depósitos
nos bancos dos EUA e terem suas reservas bloqueadas pelo governo Norte
Americano. Desta forma os depositantes se sentiam mais seguros pelo fato de
haver uma inexistência de restrições e regulamentações para depósitos
independente do país de origem. A partir do final dos anos 1950, o mercado de
Eurodólares teve uma enorme expansão. Além disso é interessante ressaltar que
Inglaterra considerada por muitos como a principal aliada dos EUA, se manteve
como a maior praça desse mercado por possuir um sistema bancário experiente e
de grande tradição em questões de câmbio e negócios internacionais, afinal o
Reino Unido poucos anos atrás era considerado a maior economia do mundo, no
entanto, não deixou de se favorecer deste novo mercado paralelo a desgosto dos
EUA.
No
começo os depósitos dos eurodólares não chamaram muita atenção, porém no final
da década de 1950, o montante de eurodólares excedeu a procura por produtos
norte Americanos no comércio internacional, gerando a partir de então um novo
mercado de empréstimos em eurodólares segundo Paul Einzig apud Saul (1991,
p.33-34)
“Durante
anos, uma notável conspiração de silêncio manteve o mercado de eurodólares
escondido dos economistas e de outros leitores da imprensa financeira(...) e
quando passei a investigá-los nos círculos bancários londrinos, vários
banqueiros pediram-me que não escrevesse sobre o assunto”.
No
final dos anos 1950, o mercado de eurodólares passou por forte expansão. Suas
operações triplicaram em volume de negócios em 1959-60 empurradas pelo surto de
prosperidade europeia e ampliação das operações das empresas multinacionais
norte-americanas que beneficiaram tantas empresas Europeias, como empresas dos
EUA a consolidarem suas marcas na Europa e posteriormente nos demais
continentes após se consolidarem nos seus mercados de origem.
Entre
1963 e 1966 o governo dos Estados Unidos do presidente Kennedy procurou
estabelecer limites sobre os fluxos financeiros que iam para os Euromercados. Os
maiores atrativos do mercado financeiro internacional europeu era que oferecia
taxas de juros mais favoráveis que as praticadas nos EUA e o fato dos dólares
que circulavam na Europa não estarem sujeitos as leis dos EUA.
Este
plano de contenção dos fluxos lançado pelo governo do presidente Kennedy tinha
como uma de suas iniciativas a criação do “Imposto de Equalização dos juros”,
este imposto tornava mais cara a tomada de empréstimos no exterior para os
bancos dos EUA. Esta medida tinha como
objetivo a defesa dos termos de Bretton Woods estabelecendo controles sobre os
fluxos de capitais externos, no entanto o que ela gerou foi uma situação
inversa. Essa medida encorajou a tomada de empréstimos nos Euromercados tanto
por bancos estrangeiros, como por bancos também dos EUA como o Citybank (o
primeiro banco dos EUA a se instalar na Europa), Bank of American, Chase e
outros. Grande parte dos empréstimos tomados por governos e empresas Latino
Americanas para a realização de seus projetos de desenvolvimento vieram deste
novo mercado paralelo de dólares.
É
importante ressaltar que haviam leis dentro dos EUA que restringiam a atuação
dos bancos em apenas alguns Estados conforme sua origem dentro do país o que
gerava enorme indignação por parte dos banqueiros que buscaram lucros fora de
seu país de origem. Estes bancos Norte
Americanos conseguiram contornar com facilidade as restrições legais existentes
em seu próprio país de origem.
A
saída de dólares dos EUA fazia com que no Euromercado houvesse a fundição de um
sistema de crédito internacional responsável pela multiplicação dos dólares no
exterior através dos bancos gerando neste cenário uma abundância de valores
fora do controle do Federer Reserve, o banco central dos EUA.
Segundo
Belluzzo no capítulo 2 de seu livro Os
antecedentes da tormenta, os EUA ao longo das décadas de 1950 até 1970
passou por mudanças no funcionamento de suas contas comerciais e de capital.
Nos anos de 1950-60, os EUA mantiveram superavitária a sua conta comercial
(exportações > importações), mas apresentava déficits na conta capital,
afinal era o responsável pela reconstrução da Europa. No entanto, no final da
década de 1960 e início dos anos 1970, os EUA passou a apresentar déficits
tanto na sua conta comercial(importações > exportações), como também déficits na sua conta capital.
Essa
abundância de dólares gerou uma enorme oferta de crédito no exterior, mas essa abundancia
gerava a “sensação” de sobrevalorização do dólar e um questionamento sobre a
conversibilidade (Dólar-Ouro). A partir dessa “sensação”, a expectativa foi a
de ocorrer uma desvalorização do dólar.
O
agravamento dessa situação gerou o desenvolvimento de um sistema de crédito, o
EUROMERCADO, a oferta de créditos em dólares passou a se tornar internacional.
Através desta oferta de crédito internacional vários países Sul-Americanos e
Asiáticos passaram a buscar financiamentos no euromercado na tentativa de
desenvolver suas indústrias e suas economias atrasadas.
Em
primeiro instante, nenhum Estado pensava em declínio, ou alteração do sistema
financeiro vigente, contudo na virada dos anos 60 para os 70 ocorreu o fim da
conversibilidade, mas a paridade continuou sem a conversibilidade dólar-ouro.
Em
1973 ocorreu o fim do padrão dólar-ouro através do fim do câmbio fixo pelos
EUA. O dólar desvalorizou tanto que em 1973 uma onça de ouro passou a valer
80,00 US$, sendo que antes a paridade era de uma onça de ouro para US$ 35,00.
Além
do mais, neste mesmo período considerado como o momento do fim do período de
Bretton Woods houve o primeiro choque do petróleo. Neste momento, os países
árabes membros da OPEP (organização dos países exportadores de petróleo)
estavam em guerra contra Israel, um Estado que os EUA apoiavam. O choque, no
entanto, foi uma retaliação aos EUA e seus aliados. Contudo, não houve apenas um choque do petróleo, em 1979 novamente houve um
segundo choque que fez com que o preço do barril tivesse um aumento tão grande que os
países da OPEP obtiveram uma acumulação de dólares que até então nunca havia sido presenciada em
suas histórias, para se ter uma ideia, o segundo choque do petróleo em 1979 fez
com que o barril fosse de US$ 13 para US$ 34, ou seja quase triplicou. Esses
dois choques fizeram com que ocorresse uma expansão e acumulação de
petrodólares que contribuiu para que fosse agravada a oferta de crédito de
dólares.
O
primeiro choque do petróleo fez com que fosse gerada uma crise produtiva no
mundo pelo aumento inesperado do preço das commodities e seus derivados, afinal
o petróleo havia se tornado a principal fonte de energia para indústrias dos
mais diferentes ramos, desde a indústria agrícola, até as indústrias com
necessidade de maior tecnologia e agregação de valor. Vários bancos médios e
pequenos tanto da Inglaterra como dos EUA foram quebrados neste contexto que só
não foi agravado por ter ocorrido uma intervenção dos bancos centrais que
evitou a generalização da crise.
A partir de 1973-74, o mercado
internacional começou a dar passos para a superação da crise de 1973, assim que
começaram a serem depositados dólares provenientes dos países produtores de
petróleo no Euromercado, os petrodólares.
Esses petrodólares ao serem
depositados nos bancos europeus, representaram um problema novo, as
multinacionais não tinham capacidade para absorve-los, e estava em curso uma
recessão mundial, diante disso, os bancos europeus resolveram financiar países
subdesenvolvidos sob a forma de empréstimos diretos aos bancos centrais dos
governos, ou a instituições de desenvolvimento dos Estados. Para a América
Latina, apesar dos efeitos negativos da crise do petróleo, os petrodólares
reciclados serviram para financiar projetos de industrialização que estava em
processo de maturação, no entanto, a América Latina neste contexto teve de se
endividar enormemente para financiar sua industrialização tardia e pagar suas
contas externas.
Além dos produtores de petróleo,
outros que obtiveram grandes lucros com a geração de créditos a partir da
abundância de petrodólares foram os Bancos Europeus, e norte Americanos
presentes na Europa ao darem empréstimos para os países Latino Americanos.
Neste cenário as condições
econômicas internacionais se tornaram ainda mais instáveis, pois com o aumento
do preço dos barris de petróleo, a alta dependência de importação de petróleo
dos países Europeus, a perda dos Estados Unidos na guerra do Vietnã e a não
conclusão de outros conflitos com aliados da União Soviética como a Guerra das Coreias
na década anterior, fizeram com que fosse formada uma enorme especulação sobre
a ideia de queda da hegemonia norte Americana.
Neste
contexto, de mudanças e aumento das incertezas e instabilidades, em 1979 o FMI
fez uma reunião internacional de emergência em que o dólar foi fortemente
questionado pela sua desvalorização tanto por países de centro, como subdesenvolvidos.
A partir de então foi sugerida a substituição
do dólar por um ativo de reserva administrado pelo FMI e lastreado em uma cesta
de moedas, além de outras sugestões para alterar o sistema de transações
internacionais vigente.
Como
reação contrária a tomada desta iniciativa, os EUA elevaram a sua taxa de juros
como nunca antes na história poucos dias após a tomada da decisão de criação de
um novo sistema de transações. Essa elevação dos juros dos EUA trouxe várias
consequências.
O
choque de juros afetou especialmente os países emergentes, espremidos entre a
súbita escassez do meio de pagamento internacional e o elevado serviço da
dívida externa já contratada. O célebre problema da transferência de recursos
quebrou as economias periféricas que sangraram os mares da abundante liquidez
no mercado internacional e levaram à exasperação o seu endividamento em
dólares.
A recuperação do poder do dólar instaurou um novo
regime de coordenação da economia mundial e abriu espaço para o comando dos
mercados financeiros anglo-saxões sobre as estratégias empresariais e as
políticas econômicas.
Os objetivos do tratado de Bretton Woods de se
criar um mundo com objetivos de promoção de um desenvolvimento baseado no pleno
emprego e crescimento dos salários foi esquecido pelos EUA.
Os juros altos nos EUA não penalizaram apenas os
países do 3º mundo, mas também investimentos no próprio país. Isso fez com que
fosse diminuído o consumo e investimentos tanto fora, como dentro dos EUA
apesar de o governo ter conseguido manter o dólar em sua posição de moeda
interncional.
Fontes:
MOFFIT,
M. 1984. O dinheiro do Mundo, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Belluzo,
G. Os Antecedentes da Tormenta, Campinas/SP, FACAMP
Fiori,
L. O poder Americano, 2005 Vozes
Galípolo,
G e Belluzzo, L. 29/10/1985, Economia – A guerra do dólar, Carta Capital
Silva,
P. Origem e desenvolvimento do sistema financeiro internacional. PUC – São
Paulo.
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