Paulo Arantes e sua análise sobre as transformações no contexto de conflitos armados pós segunda guerra mundial.
Apresentação:
Neste
trabalho irei realizar uma análise sobre as principais transformações dos conflitos internacionais e internos dos Estados que
surgiram após a segunda guerra mundial de acordo com as principais teses
apresentadas por Paulo Arantes no primeiro capítulo Notícias de uma Guerra Cosmopolita de seu livro Extinção, junto de outros dados de
autores como Eric Hobsbawn.
Paulo
Arantes retrata neste capítulo sobre as transformações no cenário de conflitos
armados tanto nos Estados desenvolvidos (em especial os Estados Unidos da
América), como nos demais países subdesenvolvidos após a segunda guerra mundial
até os dias atuais discutindo sobre o processo de legitimação e conflitos armados, que vem passando por várias mudanças as quais serão abordadas neste
trabalho.
Notícias
de uma guerra cosmopolita
Antes
de iniciar a análise acredito que é importante explicar o que é cosmopolita,
afinal, o nome do capítulo que será analisado é Notícias de
uma guerra cosmopolita. Cosmopolita segundo o dicionário de política é alguém que sofreu a influência de uma cultura, ou
Estado que não é de sua origem.
Ou seja, a proposta do autor é analisar o surgimento de
guerras que vem surgindo no interior de países, mas que sua origem não é
interna, uma das consequências da chamada globalização e transformações na
ordem e disputas de poder internacional que passaram a envolver não apenas
disputas entre Estados, como também disputas internas.
No
começo de seu capítulo, Paulo Arantes discute sobre as várias transformações
nas ideologias impregnadas principalmente no mundo ocidental na questão sobre
como encontrar a paz. De acordo com o autor, a ideologia implementada nos
últimos anos após a segunda guerra mundial foi a de que seria necessário o
surgimento de uma “polícia” mundial que através de guerras justas e
intervenções armadas “cirúrgicas” seria finalmente possível o encontro com a
paz.
Neste
contexto, de acordo com Paulo Arantes, várias teorias surgiram na busca de
explicar as razões das intervenções armadas, justamente para legitimá-las, como
exemplo a ofensiva Norte Americana contra o Afeganistão. Todas as intervenções
vieram com o logo de “Guerra justa”.
Este
discurso de guerra justa, não é algo novo, é um discurso medieval. As disputas
entre povos cristãos, e cristãos e outros povos chamados de bárbaros, antes de
começarem, precisavam de uma boa razão e justa causa para ser iniciada e
garantir o apoio da sociedade naquela causa. Só o fato de um povo não ser
considerado cristão, devido ao poder de ideologia da igreja, já era o
suficiente para legitimar ataques de guerra em nome de cristo e de seus ditos
valores cristãos.
Este
discurso foi mantido até durante o período colonial, pregava-se que os povos
das regiões das novas colônias eram povos de desenvolvimento atrasado, inferiores
e além da busca por exploração de riquezas, se pregava a necessidade de
implementação dos valores cristãos nos novos territórios a serem explorados em
especial as Américas.
Novamente,
no entanto este discurso de necessidade de “civilizar” povos bárbaros retoma
participação na história, mas com novos agentes como CEO’s, e agentes de
marketing que colaboram no processo de construção de “guerras justas”.
A
lógica de guerra, no entanto, continua a mesma. Matar seus rivais e proteger
seus combatentes, mas com algumas mudanças. Antes, até a segunda guerra mundial
e meados da guerra fria, o alistamento para a guerra era considerado um ato de
honra, no entanto a lógica e a organização dos conflitos armados passou por
transformações.
A
participação de um indivíduo em guerra já não é mais considerada uma honra
mesmo se defendida como justa. Antes um cidadão se alistava com o objetivo de
defender seus interesses, de seus familiares e de sua sociedade. Diferente, ao
longo da guerra fria, está lógica foi perdida. De acordo com Paulo Arantes o
termo soberania parece que saiu de moda.
Hoje
os meios adotados pelas grandes potências na seleção de militares não é mais o
mesmo. Hoje existem exércitos terceirizados, protagonizados por fatias de
exércitos nacionais, mercenários, paramilitares. Enfim, uma economia de guerra
escorada por esquemas de financiamento heterodoxos e igualmente flexíveis com
uma pequena parcela de combatentes do Estado para legitimar estas forças.
Este
fenômeno chamado de terceirização das forças armadas não é novo, apesar de
apresentar uma nova roupagem. A rainha da Inglaterra Isabel I no século XVI d.c,
por exemplo, devido a sua fraca força naval, para se defender contra as forças armadas
da Espanha que naquele período era uma das maiores potencias da Europa,
contratou vários piratas para defender as costas de seu território e saquear
navios mercantis Portugueses e Espanhóis que até então dominavam as rotas de
comércio até as índias e novas colônias.
Eric
Hobsbawn em sua obra Globalização,
democracia e terrorismo ( cap.5 pág. 96) reforça essa tese de
enfraquecimento do nacionalismo e perda de legitimidade do Estado nacional para
aqueles que vivem em seu território. De
acordo com Hobsbawn os Estados do século XXI agora preferem realizar suas
atividades militares através de exércitos profissionais terceirizados não
apenas por razões técnicas, mas porque não se pode mais deixar que os cidadãos
caso sejam recrutados batalhem com a mesma vontade de ir para os campos de
batalha em nome de seus familiares e semelhantes como antes da 2ª guerra
mundial. Hoje segundo Hobsbawn, homens e mulheres não são recrutados mais por
uma questão de defesa do Estado nacional. O que os move para se alistarem é a
sua predisposição para matar em troca de dinheiro, o conceito de nação está em
crise.
A
guerra deixou de ter como sentido apenas a defesa ou manifestação de interesses
da sociedade, ou de apenas uma elite de um Estado que conseguia mobilizar as
massas, a guerra parece agravar as tendências econômicas que contribuíram para
a sua eclosão, gerando novas razões (geralmente as mesmas) para se continuar a
guerra ou iniciar outras.
As
guerras anteriores, a primeira guerra mundial, tiveram um fim. Hoje, ao
contrário as guerras não possuem mais um limite. Um caso exemplar de acordo com
Arantes, é o caso da guerra na luta contra o terrorismo. Inicialmente, após os
ataques feitos nas Torres Gêmeas de Nova York, os EUA atacaram o Afeganistão
alegando estarem em busca de acabar com Osama Bin Laden e grupos terroristas
que poderiam colocar em jogo a manutenção da ordem e da paz. No entanto, um
fato pouco noticiado pelas redes de televisão, foi que o próprio governo
Americano durante a guerra fria treinou Osama Bin Laden e outros combatentes na
busca de enfraquecer a dominação da União Soviética na região do Afeganistão
após ter sido invadida durante a guerra fria.
Posteriormente,
durante a primeira década dos anos 2000, forças legitimadas pelo governo
Americano atacaram o Iraque e, atualmente, mas com maior dificuldade os países
do Norte da África. Este cenário de surgimento constante de novos inimigos após
o fim da Guerra Fria e da União Soviética se tornou algo constante. A luta
contra os comunistas mudou de nome, hoje a batalha é a constante luta contra o
terrorismo.
No
começo dos anos da década de 1990 acreditava-se que a nova doutrina de guerra
seria diferente através do uso de novas tecnologias que possibilitariam pela
primeira vez que apenas os inimigos centrais fossem combatidos, tornando a
perda de civis ínfimas iniciando desta forma uma era de “guerra segura para
quase todos”.
O
que foi feito não foi bem isso, o modelo adotado foi o de acabar com as
condições de vida dos indivíduos. Foram destruídas sistemáticas de infraestrutura
(água, luz, saneamento, abastecimento entre outros fatores de sobrevivência e
funcionamento das sociedades em condições mínimas).
“As bombas passaram a ter como
objetivo acabar com as condições de ordem e sobrevivência, e as sanções faze o
resto, sem falar no rastro radioativo e de bombas químicas que contaminam os
solos e a água e contribuem também na devastação ecológico e problemas do ecossistema.
”
Os
conflitos armados da atualidade deixaram de ter alguma ligação com questões de
patriotismo. A reviravolta produtiva e organizacional do capital colocou a
sociedade nacional nos novos enquadramentos típicos de prontidão militar. O
sistema de enquadramento para o serviço militar deixou de ter ligação com o
espirito de patriotismo e passou a ser considerado como uma simples profissão,
assim como qualquer outra.
Não
é por acaso, que grande parte dos militares participantes nas tropas de ataque
do Afeganistão e Iraque não são compostos por militares de origem dos EUA,
grande parte é de origem latino e sul americana que é contratada para prestar
serviço para as tropas terceirizadas dos Estados Unidos em um assunto que não
envolve de forma direta o seu país de origem.
Já
no fim da guerra fria houve um divórcio entre forças armadas e patriotismo algo
fortemente marcado na guerra do Vietnã, quando começou a ficar visível para os recrutas
de guerra as barbaridades e iniciarem movimentações populares nos Estados
Unidos contrárias aos ataques realizados pelas forças do Estado. Um filme que
mostra essa cena é o famoso Forrest Gump.
A
guerra passou a ser vista por alguns como uma forma de gerar emprego de massa
da população, enquanto outros seguiam outra linha de raciocínio de que a guerra
havia se tornado uma forma de especialização. O alistamento deixou de ser visto
como um dever cívico, não apenas nos Estados Unidos da América, como também em
outros países. A guerra se tornou algo corriqueiro e midiático.
A
violência e o ato de guerra viraram uma rotina, uma rotina que chegou a virar
um encargo profissional. “As máquinas de
guerra de última geração e alta tecnologia viraram postos de trabalho
absolutamente normais. ”
Isso
mostra uma mudança profunda na conjuntura de conflitos armados. Antes, os
soldados se alistavam e lutavam por uma questão de patriotismo e defesa de seus
bens, famílias e conterrâneos de sua região ou país. A conjuntura das pessoas
que passaram a fazer parte dos grupos armados das superpotências alterou-se
profundamente.
Com
a chamada de intervenções armadas cirúrgicas, a guerra deixou de ser uma
obsessão nacional e tornou-se um negócio que se encontra atualmente em controle
dos peritos de guerra e não mais sob o controle estrito das forças armadas do
Estado por completo.
Os
ideólogos da teoria da “Guerra Justa” e do “triunfo da sociedade civil mundial”,
ignoram a justificação de guerras funcionais. Posteriormente a queda do Muro de
Berlim e o fim da guerra fria a busca por um novo inimigo se tornou algo
constante. As tropas dos Estados Unidos e da OTAN atacaram o Iraque,
Afeganistão e posteriormente os países do Norte da África, Líbia, Egito e Síria
sob a constante alegação de estarem em luta contra o terror.
A
nova doutrina de guerra nos anos 1990, acreditavam que iria ser diferente com o
uso de novas tecnologias o que possibilitaria que apenas os inimigos centrais
pudessem ser atacados diminuindo desta forma que pela primeira vez que as
perdas de não militares fossem ínfimas.
O que foi feito não foi bem isso, o modelo adotado foi o de acabar com as condições de vida dos indivíduos. Foram destruídas sistemáticas de infraestrutura o que inclui água, luz, saneamento, abastecimento, etc. As bombas acabam com as condições de ordem e sobrevivência, contudo os problemas não terminam neste ponto, as sanções dificultam a possibilidade de reconstrução, sem contar com a contaminação dos solos e radioatividade do ar que contribuem com a devastação e depredação do meio ambiente.
O que foi feito não foi bem isso, o modelo adotado foi o de acabar com as condições de vida dos indivíduos. Foram destruídas sistemáticas de infraestrutura o que inclui água, luz, saneamento, abastecimento, etc. As bombas acabam com as condições de ordem e sobrevivência, contudo os problemas não terminam neste ponto, as sanções dificultam a possibilidade de reconstrução, sem contar com a contaminação dos solos e radioatividade do ar que contribuem com a devastação e depredação do meio ambiente.
“ As guerras hoje não
estão mais ligadas ao patriotismo”A
violência que o autor Arantes enquadra em seu texto não se limita a violência
da guerra entre Estados. Mesmo após a consolidação das democracias na América
Latina com o fim das ditaduras, a violência continuou em alta escala.
Não
só no horror das ações realizadas, como pela espetacularização da mídia e sua
ampliação pela classe política. Nem mesmo a institucionalização da democracia
pôde acaba, ou diminuir a escalada da violência mesmo em sociedades pós
militares.
Os
países Latino Americanos sofreram repetidamente os horrores da repressão do
Estado em parte porque foram poupados da guerra internacional em grande escala
conforme presenciado pela Coréia dividida e o Vietnã.
Grande
parte dos direitos adquiridos pelos cidadãos europeus e dos EUA, ocorreu em
consequência das guerras e seus efeitos perante a sociedade em parte destruída.
Diferente, as ditas ditaduras Latino Americanas pelos modelos e medidas
adotadas não trouxeram garantias de direitos e um nacionalismo forte em defesa
da nação.
A
guerra e o trabalho de policiamento nacional ao ser profissionalizado, mudou de
caráter, deixando de ser uma evidência política para se tornar um encargo
trabalhista assim, como outro qualquer.
Segundo
Martin Shaw, existe uma enorme contradição persistente entre a deslegitimada violência
por meio do processo de pacificação interna. O Estado cada vez mais controla a
sociedade por meio de uma vigilância sistêmica que dispensa o recurso à força
militar. Sem contar que a legitimidade de uma violência interna é muitas vezes
legitimada pelo discurso da luta contra o terror na guerra entre Estados.
A
nova guerra cosmopolita é uma só e vigora no front do espetáculo e no matadouro
das limpezas sociais. Em ambos os espaços, a pacificação interna é destruída
segundo a lógica da violência pós-moderna.
Conclusão:
É notável a perda do patriotismo e o
sentimento de nacionalidade nas últimas décadas tanto no mundo desenvolvido
como subdesenvolvido. Este fenômeno tem se acentuado e levado a descrença nos sistemas
democráticos fazendo com que discursos de massa muitas vezes contraditórios com
os interesses de bem-estar social e de distribuição de renda ganhem apoio.
Antes da segunda guerra mundial, um
conflito armado para ser acionado necessitava do apoio da sociedade, mesmo que
muitas vezes, o real motivo da guerra fosse apenas para favorecer os interesses
de uma elite. No entanto, é notável uma mutação na lógica dos sistemas de defesa
dos Estados e na atuação das forças armadas das grandes potencias como os
Estados Unidos.
Hoje existe um processo de
terceirização das forças armadas, que modifica a lógica da razão para início de
uma guerra. Antes as forças armadas de um país eram formadas por cidadãos o que
legitimava as forças de guerra e garantia o apoio da sociedade.
Atualmente a lógica de guerra não é
mais a mesma, os conflitos armados entre forças de diferentes países foram modificados
não apenas na forma como ela é construída, mas também no seu nome. Antes
conflitos externos eram chamados de guerra, hoje este termo deixou de ser
utilizado e a denominação utilizada tanto no mundo acadêmico, como nas redes
populares de informação tem sido “intervenção armada”, o que altera o peso e
poder das regras dos órgãos internacionais até então instituídas.
Hoje o ato de um jovem se alistar para
a guerra é considerado como uma busca por emprego, não mais uma atitude de
patriotismo e de defesa dos interesses nacionais de um Estado como de uma
população. No entanto, isso altera o papel das forças armadas.
A indústria da guerra, antes tinha uma
receita limitada. Hoje ela se transformou em uma máquina importante de geração
de renda nos Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos, afinal ela emprega
milhares de pessoas de forma direta ou indireta, e ajuda no desenvolvimento de
estudos tecnológicos. No entanto, por outro lado, ela gera a morte de milhões
de pessoas inocentes, destrói a possibilidade de nações ao menos
disponibilizarem as mínimas condições de sobrevivência para os seus
conterrâneos.
A terceirização das forças armadas
altera a lógica de guerra. A busca por um novo inimigo das grandes potências se
tornou algo constante se tornando algo semelhante ao praticado pelos Nacional
socialistas que passou a afligir não apenas o exterior dos Estados, como também
no interior.
A guerra contra o terror, não tem
limites, ela pode ocorrer tanto no ambiente interno, como externo dos Estados
criando uma imagem de guerra e conflito constante de maneira exacerbada, mas
que na realidade não tem como objetivo solucionar o problema.
Grandes indústrias de tecnologias e armas
financiam grande parte das campanhas políticas dos Estados desenvolvidos na
busca de maiores investimentos e posicionamentos internacionais que colaborem
com a indústria bélica. A lógica da guerra
ao terror passou a ser nada mais do que a busca pelo Capital, e a dominação das
sociedades.
BiBLIOGRAFIA:
ARANTES
– EXTINÇÃO. Boi tempo.
HOBSBAWN
– Globalização, democracia e terrorismo. Companhia das Letras. 4ª edição. 2007
Dicionário
de Política UNB.
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